domingo, abril 06, 2008

Shellac em Votorantim e um bate-papo com Bob Weston

Ao olhar pela janela do ônibus, aquelas ruas cercadas por pequenos comércios (leia-se materiais de construção e bares-espelunca), não havia outra pergunta na minha cabeça a não ser "que diabos o Shellac veio fazer em Votorantim?". A capital do cimento, como é conhecida, tem um pouco mais que cem mil habitantes e preserva o ar bucólico de interior, mas com rastros de vida urbana em algumas avenidas. Tá certo, a cidade não é o fim da civilização, mas o fato do Shellac tocar lá e não em Belo Horizonte (cidade de Marcos Boffa, o iluminado que trouxe a banda para o Brasil), por exemplo, me intrigava desde o anúncio da turnê da banda no Brasil. Bauru, a outra cidade do interior na qual o Shellac passou, é até compreensível, pois se trata de uma cidade universitária, que gira em torno de uma faculdade pública (a Unesp) e pelo que vivi na cidade (ao namorar uma garota que fazia faculdade lá) a cidade tem muito a ver com o rock, se não pelos seus habitantes, pelo menos os estudantes dão conta do recado. Ao chegar na rua da prefeitura, um amigo, o Diego, que estava comigo, com dedo em riste olho para mim: era o som do baixo de Bob Weston.

Ainda faltavam quase quatro horas para o início do show quando saímos do ônibus. Perguntamos a localização da praça Zeca Padeiro a um policial que nos informou detalhadamente "ande cinquenta metros e atravesse à direita". Demos risadas pela minúscia em sua instrução e corremos até a praça. Ao vislumbrar o palco, a melhor cena possível se revelou quando Steve Albini mandava algumas instruções sobre o microfone para o técnico de som, enquanto Todd Trainer, sentado à frente de sua bateria, testava a intensidade do bumbo. Bob Weston dedilhava o baixo enquanto nos olhava.

- Será que eles nos reconheceu, man? - perguntou Diego.
- Acho que sim. Nós temos rostos fáceis de guardar.

Eles continuaram passando o som, em testes infindáveis, tocando músicas aleartórias enquanto Albini falava frases como "you have the keys to your future". De repente um choque de microfone na boca de Albini alertou o pessoal do som. Após a passagem do som, somente Trainer permaneceu no palco, ajustando sua bateria, nivelando os pratos num processo lento e caprichoso. Ficamos ao lado da mesa de som, observando os últimos ajustes enquanto eles testavam a iluminação. Haviam algumas barras de ferro que separavam o palco do público, e o Shellac pediu que eliminassem essa barreira como também tirassem a fumaça de gelo seco, e efeitos sincronizados de iluminação. "Deixa o pessoal livre, se quiserem subir no palco, sem problemas", disse Albini a um dos funcionários do SESC.

Enquanto Diego e eu conversávamos, Bob Weston saiu do "backstage" montado às pressas e caminhava lentamente em nossa direção. Olhei de relance e continuei a conversa com o Diego.

- Vocês estavam no show lá no Clash Club, não é? - nos perguntou Weston, olhando para nossas camisetas.
- Sim, sim, estávamos lá - respondemos impressionados com o fato dele ter lembrado.

Ele eu um sorriso e olhou para o céu.

- Será que chove hoje?
- Eu acho que não - respondi procurando alguma nuvem que contrariasse minha resposta - a não ser que aquela nuvens negras venham pra cá, mas acho que hoje não chove.
- O vento está pra lá, acho que não chove não - complementou Diego.
- Ótimas camisetas, ótimas bandas - observou Weston apontando para minha camiseta dos Ramones e a camiseta do Motörhead do Diego - vocês estavam com camisetas de bandas lá em São Paulo, né?
- Eu sim, eu estava com uma do AC/DC, mas ele estava com uma camiseta preta - lembrei.

Comentei com ele sobre o fato deles tocarem em Votorantim, uma cidade pequena, e ele respondeu que o SESC que havia pago, então eles teriam que tocar. Isso o alertou para a questão do público, o que o fez perguntar se encheria. Respondi que a curiosidade chamaria o público, que mesmo não conhecendo, apareceria pra conferir. Mas ao redor, naquele momento, a cena não era muito positiva: aguns homens de chapéu de palha, uns políciais e alguns adolescentes sofridos perambulavam perdidos pela praça.

Resolvi encher o Bob Weston de perguntas. Steve Albini é muito reservado e saía de vez enquando do backstage para ver o movimento, ou falar com algum técnico. Não responderia pergunta alguma. Talvez um "how are you". O Todd Trainer é gente fina pra caramba, aliás, foi o primeiro a falar conosco, lembrou de nós também, e quando deitamos no chão esperando o início do show, ele apareceu com dois copos de água para aliviar o nosso calor. Mas o Bob Weston era mais aberto à perguntas, notei que ele estava afim de conversa.

Robert Spurr Weston IV é um americano pacato, nascido em Waltham, Massachusetts no ano de 1966. De fala suave e intuitiva, revela-se um velho punk, que testemunhou o surgimento da cena underground na época pós-punk, seja trabalhando como assistente de produção ou engenheiro de som por trás de grandes nomes como o Sebadoh, Polvo, June of 44, Rodan, entre outros ou como baixista na banda Volcano Suns no fim dos anos 80, como também chegou a tocar na lendária Mission of Burma. Depois de anos e anos de envolvimento com os melhores momentos do rock, acalmou-se numa vida de figura respeitável do rock underground, devotando a maior parte do seu tempo ao trabalho de mixagem e produção de discos e ao seu hobbie, chamado Shellac.

RockTown! - Bob, muita gente tem falado sobre a duração dos shows. Em Bauru, umas pessoas reclamaram da duração do show, coisa de 50 minutos.
Bob Weston
- Não, eles estão enganados. O show teve 75 minutos. Mas se você notar, um show longo muitas vezes é cansativo. O Fugazi, por exemplo, é minha banda preferida. Quando ía em shows deles, muitas vezes me cansava, porque têm horas que você cansa de balançar a cabeça. Isso é verdade, você cansa.

RockTown! - Caramba, num show do Fugazi?
Bob Weston - Sim, não importa o quanto você goste de uma banda, têm horas que você cansa. No nosso caso, também conta a nossa idade. Quando uma banda toca devagar (fazendo gestos de toque de harpa) tudo bem, dá pra prolongar. Mas quando uma banda toca como nós (fazendo gestos de baterista frenético), você cansa, não dá pra prolongar muito. Ainda mais a gente.

RockTown! - Idade? Você está com quantos anos?
Bob Weston - Eu tenho 42 e sou o mais novo da banda. O Steve tem 45 se não me engano e o Todd tem mais.

RockTown! - E o Todd ainda tá trabalhando como gerente de fábrica?
Bob Weston - Não, não. Isso faz tempo, muito tempo.

RockTown! - E vocês estão vivendo em Chicago? A base da banda fica lá?
Bob Weston - Não, não. O Steve e eu moramos em Chicago. O Todd mora em Minneapolis, mas a base não fica em nenhuma das cidades. A base da banda é onde nós três no encontrarmos, seja em Chicago, seja em Minneapolis. A maioria das vezes o Todd vai para Chicago, mas isso não é uma regra.

Bob nos perguntou se tínhamos uma banda, e respondemos positivamente. Ele comentou sobre seu trabalho de mixagem e disse trabalhar com uma banda brasileira, cujo o nome ele enrolou ao falar, esbarrando na dificuldade do idioma português. Nesse instante, os responsáveis pelo som colocaram uma música dos Titãs bem alto, atrapalhando a conversa. Bob pediu licença e sacou de seu bolso um protetor de ouvidos. Dei uma risada e perguntei se não havia gostado. Ele confirmou o desgosto e contei sobre a banda paulistana, o seu início e o fato de ser muito mainstream. Todd Trainer se dirigiu à van da banda e sacou um disco para trocar o som.

RockTown! - Você gosta de CSS?
Bob Weston - Nunca ouvi. Mas minha esposa adora. Eu gosto muito do Bonde do Rolê. Lembro de ter ido a um show deles em Londres, não havia mais que 20 pessoas de público. Gostei mesmo.

RockTown! - Sim, ele misturam rock com samples de batidas dos anos 80, que lá no Rio de Janeiro chama-se funk pancadão.
Bob Weston - É mesmo? (Arregala os olhos) Eu realmente gostei da batida. A vocalista também me chamou a atenção, explosiva, bem punk!

RockTown! - Ex-vocalista, Bob. Ela saiu da banda.
Bob Weston - Sério? A graça da banda era ela pulando e gritando.

RockTown! - A MTV Brasil agora está fazendo um concurso para escolher a nova vocalista.
Bob Weston - Não quero nem ver isso.

O disco do LCD Soundsystem começou a tocar, trazendo uma sensação bem mais agradável que ouvir o Paulo Miklos cantando.

RockTown! - Isso é LCD Soundsystem, não é?
Bob Weston - É sim, aliás, esse disco é meu (aponta o dedo para o Todd)! É o som que mais estou ouvindo no momento. As batidas, a linha de baixo, tudo é muito bom.

RockTown! - O LCD Soundsystem é um projeto de um cara só, o que acha disso?
Bob Weston - A idéia é dele, mas ele não está só. Ele conta com muita gente boa por trás. Nunca um projeto pode ser chamado se solo.

Falando em projeto de um cara só, acabei fazendo uma última pergunta, mais pela curiosidade.

RockTown! - Bob, você conhece o Bob Pollard, do Guided by Voices?
Bob Weston - Conheço, mas conheço apenas o trabalho dele. Não o conheço pessoalmente.

Lá se foi a chance de estender a conversa.

Quando o show começou, havia um público muito bom. Bob reclamou de um cara que fumava maconha, mandou um cara desligar a câmera porque não queria aparecer no vídeo dele, tocou por muitos minutos de costas para o público olhando para o amplificador. Respondeu diversas perguntas durante o show, como de costume, inclusive quando perguntaram se ele gostava de cerveja: "eu não gosto de cerveja, eu odeio cerveja. Prefiro leite, água, sou um grande fã de sucos". Um bêbado chegou com uma lata de Skol erguida gritando: "do you like brazilian beer?" e ofereceu a lata ao Bob. Bob, após negar novamente seu gosto por cerveja, respondeu como todo gringo deve responder: "mas eu gosto de cachaça. Tenho uma garrafa guardada na minha mala, vou levá-la pra casa". Todos deram risadas, apenas complementando o clima descontraído de um show do Shellac.

A banda fará muita falta. Pela música, pela proximidade com os fãs, pela interatividade proposta em seus atos e principalmente pela sensação causada ao percebermos que havia entre nós tanta relevância histórica concentrada em um pequeno palco, transformando o nosso surreal em uma realidade inacreditável. Permanecem surreais.

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Disponibilizei alguns vídeos do show, lá no YouTube:

The End of Radio
http://www.youtube.com/watch?v=Wtk_HoYyRLI

Steady as She Goes
http://www.youtube.com/watch?v=uN_MGoLbmWc

6 comentários:

Mi, de Camila disse...

Morri de inveja, Pips.
Parece ter sido ÓTEMO.
=/

Anônimo disse...

Man, como vc eh cagado!
Aproveitou ao maximo!

Felipe disse...

hahaha, o melhor foi a conversa sobre o tempo...

Gabriela disse...

adorei, músico gente fina é bom demais...

hey, você já escutou The Reign Of Kindo??

eu to falando de uma banda pra pessoa que enriquece minha playlist aqui xD mas sei lá, vai que você não escutou...

ótimos blogs :D adorei o de receitas!

Anônimo disse...

caraaalho, o cara entrevistou o Bob Weston!
simplesmente sensacional, parabéns pela bela entrevista.
fiquei ainda mais fã da banda!

Jess S. disse...

hahahaha!!
do caralho os teus blogs!
adorei o chef Iggy!!

=D